Escrever é sangrar, e sangrar é necessário. Pedro Salomão
Escrevo porque se não escrevesse, explodiria.

É um sangrar interno, mas sem ferida visível. As palavras escorrem como um rio de dentro para fora, sem permissão, sem filtro, sem modos. Um fluxo bruto, às vezes um esguicho, outras vezes uma hemorragia. E eu deixo. Porque conter seria pior. Escrever é sangrar, e sangrar é necessário, já dizia Pedro Salomão.
Quando era menina, eu rabiscava segredos no verso dos cadernos da escola. Pequenos recortes de alma entre as contas de matemática. Eu não sabia que aquilo era sangue, mas sentia o alívio de ter deixado algo escapar, como quem solta um pássaro engaiolado. Escrever sempre foi isso: libertação e risco.
Há dias em que as palavras vêm fáceis, como se minha alma estivesse de boa vontade e me entregasse tudo de bandeja. Em outros, preciso cutucar a carne, apertar, até que saia alguma gota. Mas mesmo quando dói, é bom. Porque a dor que vira tinta já não é só minha – pertence ao papel, ao mundo, ao vento.
Eu poderia parar de escrever? Talvez. Assim como alguém pode parar de respirar, por escolha própria, mas por quanto tempo? Escrever é um vício de sobrevivência, um hábito entranhado na pele. Não importa quantas vezes eu diga “hoje não”, sempre há um pensamento insubordinado que se arrasta até meus dedos, exigindo ser parido.

E há algo de engraçado nisso tudo. O drama da caneta que falha bem na palavra mais importante. O papel que some quando a ideia nasce. O texto que parece brilhante à meia-noite e se revela um delírio de febre pela manhã. O rascunho perdido que, quando encontrado, parece escrito por uma entidade desconhecida – sou eu, mas não sou mais eu.
Mas sigo. Porque escrever me salva de mim mesma. Porque me dá o prazer agridoce de ver uma dor transformar-se em beleza, um pensamento virar sopro, um vazio se preencher de sentido. Escrever é a forma mais bonita de não enlouquecer completamente.
E se um dia me perguntarem por que escrevo tanto, responderei com a única verdade possível:
Para não morrer engasgada.
Essa semana postei um vídeo no Instagram falando sobre esse assunto, mas não foi suficiente. Não coube tudo. A epifania foi maior do que os segundos do vídeo, e a sensação de que ainda havia muito a dizer ficou latejando em mim, como uma palavra engasgada. Então, escrevo. Para completar essa hemorragia de pensamento.

Escrevo porque há palavras que não aceitam silêncio. Elas se remexem dentro de mim, inquietas, batendo contra as paredes do corpo, pedindo passagem. Escrevo porque algumas dores só encontram descanso quando viram tinta. E porque há alegrias que, se não forem escritas, evaporam – e eu preciso delas fixadas, como insetos na resina do tempo.
Às vezes, escrever é um corte limpo, um risco exato na pele da alma. Em outras, é um rasgo desajeitado, uma ferida aberta que não sei se cicatriza ou se fica ali, latente. Mas sempre há sangue, porque sempre há vida. O que é escrever, afinal, senão manter-se vivo enquanto se esvazia?
Escrevo porque, se não escrevesse, tudo transbordaria dentro de mim até afogar. As palavras precisam escorrer, encontrar caminho, virar corpo fora do meu corpo. Um texto não escrito pesa. Uma ideia não dita apodrece.
Escrever é transformar angústia em palavra, e palavra em alívio. É arrancar o que incomoda e colocar no papel, para que eu possa olhar de longe, examinar, entender. Escrever é conversar comigo mesma, é tentar explicar à minha alma o que a mente ainda não compreendeu.
Mas também escrevo porque há coisas que só existem quando escritas. Sensações que se revelam no ato de se tornarem palavras. Eu não sabia que sentia aquilo até que escrevi. Não sabia que amava daquele jeito até ver a frase formada. Escrever me ensina quem sou.

コメント