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Carta aberta de uma mulher em menopausa (para minha família, amigos, minhas cachorras e quem mais quiser entender esse furacão)

Queridos,

Essa carta é um desabafo! 


Tenho andado nas nuvens…


O esquecimento anda me rondando como um gato sorrateiro, e já aceitei que ele veio para ficar. Já perdi a chave do carro inúmeras vezes, os óculos então, tenho dois, mas já me preparando para investir em mais dois ou três. Vivo esquecendo de agendar exames, mandar o carro para a revisão, responder mensagens importantes. A verdade é que confiar na memória se tornou um ato de teimosia. Agora, só funciono à base de listas. Escrevo tudo, porque o cérebro já não aceita armazenar informações como antes.


Dizem os estudiosos, como Lisa Mosconi, que o cérebro feminino sofre uma reformulação profunda na menopausa, porque os estrogênios, além de regularem nosso ciclo, também são uma espécie de óleo lubrificante das sinapses. Com a queda deles, tudo desacelera. A memória, a energia, a paciência. Ah, essa última então, virou artigo de luxo.


Eu sempre fui forte, resiliente, multitarefa. Mas agora, tem dias em que sou um vulcão, noutros sou um sorvete derretendo no asfalto. Tem dias em que sinto que poderia erguer o mundo com uma mão, e noutros não consigo levantar nem o próprio ânimo. O humor oscila como uma gangorra, e vocês, pobres almas ao meu redor, precisam segurar firme e torcer para não serem lançados longe.


E o calor, minha gente. Ah, o calor. Não o do sol, da praia, daquele abraço gostoso. Estou falando do incêndio interno que me consome sem aviso. O suor escorre na nuca, nas costas, atrás dos joelhos, em lugares que eu nem sabia que podiam suar tanto. E como estou lidando com isso? Abrindo janelas, ligando ventiladores, tomando cinco banhos no dia, e se alguém ousar dizer “mas nem tá tão quente assim”, sinto que posso cometer um crime.

A insônia, essa já não brigo mais. Resolvi transformá-la em aliada. Se o sono não vem, eu escrevo. Nunca escrevi tanto, nunca fui tão criativa. Histórias, contos, poemas. Quem diria que a falta de hormônios seria um combustível tão potente para a imaginação? Talvez seja meu cérebro encontrando novas formas de operar, porque, como diria Clarissa Pinkola Estés, quando uma mulher entra nesse território desconhecido, ela também está atravessando um rito de passagem para se tornar outra versão de si mesma.


E não é só a memória que mudou. A irritabilidade também veio como um convidado sem aviso, sentou-se à mesa e agora se recusa a ir embora. Pequenas coisas que antes passavam despercebidas agora me fazem ferver por dentro. Alguém arrastando o garfo no prato, uma notificação barulhenta do celular, um comentário inconveniente. Tudo pode se transformar em um pequeno incêndio interno. E, para completar, esse incêndio vem acompanhado de calor real.


Sharon Blackie fala lindamente sobre essa irritação da menopausa. Ela não é um defeito. É um chamado. Durante anos, fomos ensinadas a sermos agradáveis, a engolirmos desconfortos, a sorrirmos quando queríamos gritar. Mas, nesta fase, o corpo não aceita mais carregar o que não lhe serve. A irritabilidade é a voz da alma dizendo: “basta”.


E se olharmos pela ótica da alquimia, podemos entender esse processo como uma queima necessária. Na fase da calcinação, o fogo destrói o que não é essencial, reduzindo tudo à sua forma mais pura. E é exatamente isso que acontece conosco agora. Queimamos antigas versões, padrões que não nos servem mais. E o que sobra? Apenas o que é verdadeiro.


Talvez seja por isso que eu queira passar tanto tempo sozinha. Não, não é desprezo, nem falta de amor por vocês. É que estou reaprendendo a habitar minha própria pele. Estou deixando que esse fogo interno queime o que precisa ser queimado. E, sinceramente? É libertador. Tenho amado esses momentos de silêncio, de contemplação, de simplesmente existir sem precisar me explicar. Preciso de espaço. 


E, claro, o corpo também não poderia ficar de fora dessa revolução. As articulações reclamam, o peso muda, os músculos já não respondem como antes. “Exercício físico é fundamental”, dizem os especialistas. “Mas cadê a energia?”, respondo eu. Sei que preciso me movimentar, mas algumas manhãs meu corpo parece um bloco de argila precisando ser moldado do zero.


E agora um assunto delicado, mas necessário: a vida sexual. Digamos que os hormônios deram uma leve bagunçada no desejo. Não é que ele tenha sumido, mas agora ele exige mais paciência, mais presença, mais lubrificação emocional e literal. “O desejo na menopausa precisa de novas narrativas”, como diria Esther Perel. E eu, meus caros, estou escrevendo a minha.


A menopausa não é um declínio. É uma depuração. Estamos sendo refinadas, como ouro no fogo. E sim, tem dias que cansa. Mas entre um esquecimento e outro, entre um surto de irritação e um momento de profunda clareza, vamos nos tornando versões mais verdadeiras de nós mesmas.


Então, à minha família, amigos, minhas cachorras que já perceberam que minha energia mudou: tenham paciência comigo. Estou me reconstruindo. Estou atravessando um portal que muitas mulheres já atravessaram antes de mim. E do outro lado, sei que me tornarei algo ainda mais poderoso.



Com amor (e uma dose de impaciência),

Claudia Gomes


1 Comment

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Aliel
Mar 14
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Gente, que texto maravilhoso!

É isso, Família!

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