O quanto de nós permanece nas pessoas que cruzam nosso caminho?
Essa pergunta ficou ressoando em mim, como um eco distante, pedindo mais espaço, mais profundidade. Então, resolvi escrevê-lo aqui, onde as palavras podem se desdobrar com mais calma, onde posso explorar as camadas desse pensamento e levá-lo ainda mais fundo.
Você já parou para pensar nas histórias que está criando na vida das pessoas?
Não apenas nas grandes narrativas, mas nos pequenos gestos, nas frases jogadas ao acaso, nos olhares que se demoram por um instante a mais?
Imagine alguém revirando uma caixa de lembranças e encontrando uma carta sua. O papel talvez esteja amarelado, a tinta um pouco desbotada, mas as palavras ainda carregam o mesmo peso, o mesmo tom de quando foram escritas. Quem a lê sente sua presença, quase como se você estivesse ali, do outro lado do tempo, falando outra vez.
Ou pense em uma tarde qualquer, muitos anos atrás, quando você, distraidamente, ensinou algo a alguém, no jeito de dobrar um lençol, uma receita simples, um conselho dado sem pressa. Talvez tenha sido um detalhe irrelevante para você, mas essa pessoa guardou. E agora, em uma cozinha distante da sua, ela repete seu gesto, passa adiante
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seu saber, sem nem perceber que, de certa forma, você continua existindo ali.
As histórias que contamos, os hábitos que cultivamos, até mesmo nossas falhas, tudo isso se espalha como raízes invisíveis. Há quem nos carregue dentro de uma lembrança feliz, e há quem, infelizmente, ainda sinta o peso de palavras impensadas, de uma ausência no momento errado, de um silêncio que doeu mais do que qualquer grito.
Somos autores de capítulos na vida dos outros, mas nunca sabemos se fomos um trecho bonito ou uma página difícil de ler.
Essa ideia me vem à mente sempre que vejo alguém contando uma história que eu mesma contei um dia. O jeito como ela se modifica, se enriquece com novos detalhes, se adapta a outra voz, mas ainda assim mantém algo de mim. Isso acontece com todos nós. Palavras se multiplicam, afetos se propagam, gestos encontram novas mãos para se repetir.
E se, no futuro, alguém lembrar de você?
Talvez em uma conversa distraída, alguém mencione seu nome. Talvez um bordado que você ensinou continue sendo feito por mãos que nunca te conheceram. Talvez uma criança, que nem nasceu ainda, escute algo sobre você sem nunca saber que aquele eco distante um dia teve sua voz.
No fim, somos feitos disso: das histórias que deixamos nos outros. Algumas serão repetidas, outras se perderão no tempo. Mas sempre haverá um traço seu em alguém, um rastro que, mesmo invisível, ainda existe.
E, quem sabe, esse seja o nosso verdadeiro jeito de permanecer.
Não nos monumentos de pedra, nem nos livros de história, mas nas pequenas narrativas que deixamos nos outros. Nos gestos que se repetem sem que percebam de onde vieram. No assobio de alguém distraído, na lembrança de um olhar silencioso em um momento difícil.
Há um pensamento que ouvi certa vez, não sei de quem, mas ficou em mim como um eco: vivemos quatro mortes na Terra.
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A primeira, quando nascemos.
Porque nascer também é morrer para algo. Deixamos o silêncio líquido do ventre, a intemporalidade do antes, e somos lançados ao mundo, ao tempo, ao ar. Começamos, sem saber, nossa jornada de despedidas.
A segunda morte acontece ao longo da vida. São as partes de nós que se vão antes do corpo. A infância que deixamos para trás. O brilho no olhar que mudou depois de uma dor. As versões que fomos e que não voltam mais. Morremos um pouco a cada grande mudança, a cada perda, a cada nova pele que vestimos.
A terceira morte, a física, nos escapa do controle. Um dia partimos. Mas, por um tempo, continuamos a existir nos que ficam.
E então, há a quarta morte, e a mais silenciosa de todas. Ela acontece quando a última pessoa que um dia pronunciou nosso nome parte também. Quando ninguém mais se lembra de nós. Quando nossa história, um dia tão cheia de vozes, escorre pelas frestas do tempo e se apaga.
Essa ideia me atravessa como um vento frio. Porque se há algo que nos assombra mais do que a morte, é o esquecimento. O medo de que, um dia, tudo o que fomos simplesmente desapareça.
Mas e se a última morte puder ser adiada?
Se permanecermos não apenas nos nomes, mas nos gestos que deixamos? Se um conselho que demos a alguém for passado adiante, e depois outra vez, e mais uma? Se o carinho com que regamos uma planta for imitado por mãos que nunca nos conheceram? Se uma história que contamos cruzar o tempo e chegar a ouvidos que sequer sabem de onde veio?
Talvez seja por isso que as histórias importam tanto.
Porque elas carregam as pessoas. Os esquecidos, os anônimos, os que um dia foram e não são mais. Carregam não só nomes, mas sentimentos, modos de olhar o mundo, pequenos traços de humanidade que poderiam ter se dissolvido e, no entanto, seguem vivos, reinventados, perpetuados.
Lembramos de quem nos contou um conto de infância. De quem nos ensinou a fazer um chá. De quem segurou nossa mão quando não sabíamos como seguir.
E, no fim, talvez não morramos enquanto alguém ainda nos carrega no coração.
Porque há nomes que se apagam, mas há presenças que continuam, invisíveis, como um sopro de vento que balança uma cortina — e, por um instante, sentimos que há algo ali. Algo que nunca partiu por completo.
Cláudia Gomes
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