A Escuta Regenerativa
- Claudia Gomes
- 27 de fev.
- 3 min de leitura
“Empatia é uma ferramenta terapêutica, não um luxo opcional.”
Foi essa frase, da oncologista Ana Corradazzi, que me atravessou esta semana. Encontrei-
a no perfil de Júlia Jabult e desde então carrego-a comigo, como quem segura um galho no
meio da correnteza.
Passei um bom tempo refletindo sobre ela, e quanto mais mergulho, mais vejo que a
empatia não é um ato isolado, mas um campo de presença. Escutar verdadeiramente o
outro não é apenas ouvir palavras, mas acolher silêncios, sentir pausas, perceber aquilo
que se diz nas entrelinhas.
Na formação em Contoterapia com Anna Rossetto, começamos pelo estudo da
Comunicação Não Violenta (CNV), pois a contoterapia exige mais do que saber contar
histórias: exige saber ouvir histórias. E ouvir de verdade é um gesto raro. Como diz Marshall
Rosenberg, autor de Comunicação Não Violenta:
“A empatia nos permite enxergar o coração do outro.”
Essa escuta empática não é passiva. Ela é um ato de presença radical, um compromisso
com a humanidade do outro. No processo de elaboração dos contos biográficos e
terapêuticos, a escuta é a argila com a qual moldamos narrativas de cura. Se ouvimos com
julgamento, distorcemos. Se ouvimos com pressa, apagamos nuances. Mas se ouvimos
com empatia, permitimos que a verdade do outro floresça.
Empatia não é um luxo porque a dor não escolhe classe social, gênero ou idade. Porque o
sofrimento humano precisa ser testemunhado para ser transmutado. E porque, no fundo,
todos nós carregamos histórias que esperam ser escutadas.
Rosenberg também nos lembra que:
“As palavras são janelas ou são paredes.”
Na CNV, aprendemos que a escuta verdadeira abre portas. E que, muitas vezes, o que o
outro mais precisa não é de respostas, mas de um espaço seguro para existir.

Na contoterapia, aprendemos que a escuta é um dos maiores instrumentos de cura. Não
uma escuta qualquer, mas aquela que acolhe, que se abre sem julgamentos, que se despe
da necessidade de consertar ou aconselhar. Apenas estar ali, presente, permitindo que o
outro se expresse sem medo, sem pressa. E foi nesse exercício de escuta para escrever os
contos de outras pessoas que me dei conta do quanto a empatia tem sido transformadora
no meu próprio processo. Antes de escutar o outro, precisei me escutar. Antes de construir
narrativas para ajudar alguém a se enxergar melhor, precisei olhar para minha própria
história com essa mesma compaixão. E percebi o quanto isso é raro. Como nos custa olhar
para dentro sem crítica, sem a ânsia de mudar o que já foi, sem o peso do arrependimento
ou da autossabotagem. Escutar-se é um exercício árduo, porque exige coragem para
reconhecer as partes de nós que preferimos esconder. Mas quando conseguimos fazer
isso, algo se expande.
Escrever esses contos abriu um canal em mim. Um chamado para servir às histórias, para
acolhê-las com reverência, para transformar palavras em bálsamos. Há algo de
profundamente sagrado nesse ofício. Ao escrever para o outro, não apenas registro sua
história, mas também honro sua existência, sua jornada, seus desafios e conquistas. É
como se, ao transformar vidas em narrativa, eu devolvesse a cada pessoa um pedaço dela
mesma. Algo que talvez estivesse esquecido, soterrado, mas que ainda pulsa, esperando
para ser reconhecido.
E, ao fazer isso pelos outros, percebi que estava, também, fazendo por mim. Porque cada
história que escrevo me atravessa, me ensina, me transforma. A cada conto, algo se
reorganiza internamente, como se minha própria história fosse sendo reescrita, reelaborada,
regenerada. A contoterapia não apenas abriu esse canal criativo em mim, mas despertou
um desejo profundo de oferecer essa escuta ao mundo. Não uma escuta apressada,
funcional, protocolar. Mas uma escuta verdadeira, que permite que o outro se reconheça,
que se veja com novos olhos, que perceba que sua história importa, que ela merece ser
contada.
E talvez seja isso que mais me impacta: a descoberta de que a empatia não é um luxo,
como bem disse Ana Corradazzi, mas uma necessidade vital. Uma ferramenta terapêutica
tão essencial quanto o próprio ato de respirar. Porque é através dela que nos conectamos,
que nos compreendemos, que nos curamos. E nesse caminho de ouvir e contar histórias,
percebo que não estou apenas ajudando outras pessoas a se reconhecerem em suas
narrativas. Estou, acima de tudo, aprendendo a me escutar.
Por isso, a empatia não pode ser apenas um adorno de boas intenções. Ela precisa ser um
gesto cotidiano, uma prática constante, uma escolha deliberada.
Que possamos oferecer, a quem cruza nosso caminho, a dádiva da escuta sem pressa.
Por Cláudia Gomes
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